Serventia
da arte: ser inútil.
Precisava o homem primitivo de arte?
Não, a ilusão criada por nossas mãos é um tanto recente. Aos menos informados,
por arte entende-se a música, a literatura, a filosofia, os filmes (ou seja,
qualquer coisa sem propósito) etc, etc. Provavelmente, o leitor está
discordando da minha afirmação entre parêntis, procurando razões para se
justificar, como é comum à nossa espécie, mas vou me explicar melhor.
Imagine que você vive no passado, no
qual não existem casas, nem países ou qualquer tipo de tecnologia. Recue
bastante no tempo (ou pouco, dependendo do ponto de vista, pois o bastante vira
pouco e vice-versa), feito isso, verá que lá não tem arte, exceto, talvez, por
pinturas nas paredes, as quais não tinham por objetivo a inutilidade, podendo
não ser consideradas arte por esse motivo. Por conseguinte, não há arte lá.
Agora responda, isso atrapalha sua procriação?
A resposta será não. Nós somos o
acaso que, por ser acaso, gosta das coisas sem serventia. Nossos passatempos
são baseados em nossas necessidades como animais: nos quais encontramos temas
como o amor e o ódio ― essenciais para a perpetuação de nossa espécie em tempos
idos (não só) ―, as lutas e os esportes ― ainda somos como aqueles seres
esquecidos que caçavam animais, daí o motivo da afirmação de Cioran chamando o
homem moderno de troglodita: “O troglodita, que tremia de espanto nas cavernas,
treme ainda mais nos arranha céus!” ― o sexo, o motivo de nossa existência, o
ritmo musical, o qual é mais difícil de entender, mas que me faz pensar no
menino que prestava atenção nos sons para saber se havia perigo por perto, na
recordação apagada da mãe falando, nos sons produzidos durante o coito, e essas
coisas, mas não tenho certeza sobre este ponto.
Mas é claro que não vale para
músicas inferiores, às quais as pessoas gostam somente em prol do tema delas,
que na maioria das vezes é trivial (amor, sexo, poder etc.). Nossa espécie procura em
coisas inúteis o que lhes lembra a utilidade. Este é o motivo da existência de coisas inúteis.
Mas a arte não nos ajuda em nossa
reprodução ou em nossa sobrevivência. É totalmente inútil. Entretanto, o homo
sapiens também não tem utilidade.