O
demônio familiar, um
teatro, cronologicamente a segunda comédia do autor, apresenta como temática a
escravidão em que as relações matrimoniais da época são focadas. É uma obra com
uma leitura que flui facilmente e com um conteúdo bastante cômico. A peça é
dividida em quatro atos, cada ato com muitas cenas curtas (aproximadamente de uma
a duas páginas). Apesar do enredo ser relativamente curto (cerca de cem
páginas), a história possui muitos acontecimentos.
O
nome da obra tem como motivo o personagem Pedro, um moleque malandro, escravo,
que traz transtornos para os outros personagens. No ato I, Pedro coloca uma
carta de Alfredo no bolso de Carlotinha sem que esta perceba. Esta afirma não
ter interesse em Alfredo (o que se mostra não ser verdade no decorrer da peça),
mas como este é rico, o menino quer uni-los, pois quer ser cocheiro. Carlotinha
é irmã de Eduardo, do qual o moleque é escravo.
Além
das desavenças que o “demônio familiar” cria para a moça, este também cria
confusões entre Eduardo e Henriqueta, os quais se amam, mas como esta é pobre,
o escravo prefere que Eduardo se case com uma viúva rica. Este deixa fechada a
única janela na qual Henriqueta podia vê-lo, pois Pedro disse a ele que esta
mandou dizer que a curiosidade de Eduardo a incomodava, o que é o primeiro
equívoco provocado pelo moleque, já que ambos gostavam de se ver.
Ademais,
o menino troca os versos que eram para uma viúva, no qual Eduardo a chama de
namoradeira e a ridiculariza, pelos de Henriqueta (entrega os versos que
deveriam ser entregues para uma à outra, e vice-versa), os quais, segundo
Pedro, são os versos bonitos, fazendo com que Henriqueta pense que Eduardo não
a quer mais. Quando o moleque é descoberto por ter trocado as cartas, este diz
para Carlotinha que arranjará o casamento de Eduardo com Henriqueta, o que cria
desavenças entre Vasconcelos (pai de Henriqueta) e Azevedo.
O
que o menino intenciona é fazer com que Azevedo não mais queira se casar com a
filha de Vasconcelos, para que então esta possa casar com Eduardo. Nota-se que
o escravo é cheio de boas intenções, o que faz com que o termo “demônio” não faça
lembrar dele exatamente, pois um demônio nos remete a um personagem mau, o que
não é o caso.
Para
fazer isso, Pedro fala para Azevedo que Henriqueta não vale a pena e também
desmoraliza Vasconcelos, numa das cenas mais cômicas da peça; sobre Henriqueta,
afirma Pedro, num dos excertos mais engraçados: “Sinhá Henriqueta tem rosto
pintadinho, como ovo de peru; para não aparecer, caia com pó de arroz e essa
mistura que cabeleiro vende”. Além disso, o moleque também faz Azevedo pensar
que Carlotinha o ama. Em relação a Vasconcelos, faz este ficar irado com
Azevedo.
Com
esse dilema (com o escravo malandro criando confusões) se passa toda a
história, o que culmina na carta de liberdade de Pedro: quando todos estão
reunidos por causa dos problemas que este causa, Eduardo afirma saber o motivo
de todos os problemas que lhes sucedem, que é o demônio familiar. Com isso, dá
a carta de liberdade ao escravo como um castigo, pois agora responderá por seus
atos.
Quando
todos os equívocos são resolvidos e todos percebem que foi Pedro o causador,
todos se acertam. Eduardo contrai uma dívida para com Vasconcelos referente ao
dote de Henriqueta e também diz para Carlotinha que todos devem se perdoar,
pois ela havia se recusado a perdoar Alfredo. Por conseguinte, pode-se considerar
o protagonista Eduardo como o heroi da peça.
A
partir da leitura da obra fica-se a pensar se Alencar era ou não um autor
abolicionista. Para R. Júnior Magalhães, o autor era um contemporizador,
parecia-lhe um mal a extinção de tal regime (referente à escravidão) por causa
dos abalos que iria causar à estrutura econômica do país. Além disso, sempre
conforme Magalhães, para Alencar a escravidão era um mal, mas um mal maior fora
ter começado.
Segundo
Flávio Aguiar, citado por Vera Moraes, essa é uma peça abolicionista, porém de
um modo conservador: enxerga a escravidão como “mal social”, apesar desse olhar
estar mais próximo do senhor branco e de sua pureza familiar do que dos
inconvenientes para o negro escravo.
De
qualquer modo, O Demônio Familiar não é uma obra racista. Do mesmo modo que é o
escravo esse elemento de discórdia, poderia ser outro personagem. Também
ressalta-se que Pedro não tem maldade e o que faz é causa de boas intenções.
Outro argumento que se pode levantar é que, tanto em Mãe como em O
demônio familiar, a escravidão cria inconvenientes, o que é condizente com
a visão do autor, de que a escravidão é um mal.
Ademais,
nota-se que existe uma semelhança entre O demônio familiar e Mãe,
peça esta que também tem como temática a escravidão e possui um contraste entre
a nobreza da escrava Joana com a malícia de Pedro. Inclusive, poder-se-ia dizer
que Mãe é uma tentativa de redenção em relação ao Demônio familiar,
já que o mesmo causou polêmica. Vera Moraes, citando o dramaturgo Artur
Azevedo, expõe que até a coincidência de nomes entre D. Pedro II e o Pedro da
peça teria provocado animosidade demonstrada pelo Imperador em relação à José
de Alencar.
Em
relação a outras obras de José de Alencar, além de Mãe, pode-se perceber
uma semelhança de O Demônio familiar com A pata da gazela
e a peça As asas de um anjo, entre outras obras, pois elas também contêm
dramas entre casais, os quais passam por muitas confusões no decorrer da
história.
Outra
característica que está em Demônio familiar e que pode ser observada em
outras obras do autor, como em Sonhos de ouro, é relacionada à
linguagem: a língua do Brasil é tratada de modo que a eleva. Azevedo mistura
francês com português, o que, em determinado momento da peça, faz com que esse
personagem seja criticado pelos outros, os quais afirmam não entender palavra.
Afirma Vasconcelos sobre Azevedo: “é uma mania que eles trazem de Paris e que
os torna sofrivelmente ridículos. Mas não se querem convencer!”. Portanto, se
posiciona contra o uso de estrangeirismos de certo modo.
O
demônio familiar possui
um enredo que prende a atenção do leitor, com uma linguagem muito simples se
comparada a outras obras de Alencar, como Iracema e Ubirajara,
afinal o autor não dá ao escravo uma linguagem complexa como o faz com as suas
obras indianistas. Aliás, pode-se dizer que o negro, tão importante para a
formação da sociedade brasileira, é talvez o único elemento que José Alencar
não abarca tão bem como faz com o índio, por exemplo.
Por
conseguinte, O demônio familiar é uma peça que vale a pena conhecer, pois, além
do prazer que essa obra proporciona, o gênero teatro de José de Alencar não é
tão conhecido como as suas narrativas; no entanto, o gênero é importante na
carreira do autor também: conforme Magalhães Júnior, Alencar consegue melhorar
o teatro de seu tempo, além de ser bem sucedido no mesmo.
Referências:
Alencar, José de. O demônio familiar.
São Paulo: Editora Martin Claret, 2005.
Moraes, Vera. O demônio familiar, comédia de
costumes no teatro Alencariano. Disponível em: http://www.ceara.pro.br/acl/revistas/Colecao_Diversos/Jose_Alencar_Euclides_Cunha/ACL_J_A_e_E_C_15_Demonio_Familiar_Teatro_Alencariano_Vera_Moraes.pdf
Acessado dia 18-11-2014, às 22:31.
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