segunda-feira, 4 de março de 2024

Papai Noel

 Um homem velho, com longas barbas brancas, vestido de vermelho, foi

encontrado morto no Polo Norte, numa região distante de tudo. O sangue dele

manchava a branca neve, tornando esta escarlate como a roupa do velho era.

A partir dessa inesperada ocorrência, as autoridades mundiais, as quais

não tinham nenhum tipo de evidência do que acontecera, pararam de procurar

Papai Noel em todos os lugares, pois certamente era o velhinho morto. Havia

cometido suicídio o velho encontrado ensanguentado, o qual tinha características

idênticas às de Papai Noel, inclusive a roupa, portanto não restava dúvida que era

Papai Noel.

Dia 23 de dezembro de 2013 ele foi visto pela última vez nos arredores de

sua mansão, situada no Polo Norte. Existiam trenós e renas no local. A partir de

então, o único dia em que voltou a ser visto foi na situação acima descrita, dia 14

de janeiro de 2014.

Com isso, todas as crianças do mundo ficaram sem ganhar presentes do Papai

Noel. A partir de então, o natal foi deixando de existir, pois as crianças não

ganhavam presentes e por isso não havia motivo para comemorar o natal. Não

havia felicidade, só a tristeza das crianças choramingando: “por que eu não ganhei

presente do Papai Noel?”.

A imprensa não divulgara que o Papai Noel havia sido encontrado morto

porque não queria destruir o lindo mundo que o velhinho criara. O que deve ser

notado e aclamado é a linda intenção da mídia em não expor que o Papai Noel

havia morrido, teve a melhor das intenções iludindo milhões de crianças em todo o

mundo, pois a beleza criada pelo velhinho não deveria ser morta.

Mas as crianças não sabiam que estavam sendo salvas pela mídia, que

esta as protegia com mentiras, por isso muitas estavam arrasadas porque não

ganhavam presentes. Isto acontecia enquanto algumas poucas continuaram a

ganhar. Estaria Papai Noel escolhendo só quem ele achava que fosse digno de

receber presentes?

Porém, notava-se algo muito peculiar nisso: as crianças que continuaram a

ganhar presentes foram as crianças ricas, “Papai Noel tornou-se elitista?”,

perguntavam os mais espertos entre os menores.

É desnecessário dizer que o velho não fez falta em muitos lugares, pois não

é em todo o mundo que se comemora o natal, como não é em todo lugar que

existem chaminés para que ele possa entrar e presentear. Embora poucos saibam,

existiam regras para conseguir presente de Papai Noel: a primeira é ter chaminé, a

segunda é ter meias e a terceira é estar dormindo na véspera de natal.

E assim era o mundo com o velho presenteador no natal: uma pequena

parcela da população conseguia presentes. Mas, com o que sucedeu, a parcela se


tornou menor: apenas um terço daquela pequena parcela que ganhava as

bugigangas de Papai Noel, os quais tiveram como substitutos seus pais para lhes

presentear.

Quando os 7 anos se passaram, foi encontrado um velho que se parecia

com Papai Noel. Foi um porquinho da índia rosa que o encontrou, o idoso estava

deprimido, chorando em frente a um lago. Este era muito cinza, e havia insetos

também, os quais matariam o porquinho mais tarde.

O animalzinho que tinha pelos rosa era um repórter, ele pretendia fazer

uma reportagem de algum senhor macaco que encontrasse, pois eles geralmente

emitiam uma opinião que dava audiência.

Quando a coisa rosa viu o homem de vermelho, pensou: “Sim, isso é bom,

muito bom, vou entrevistá-lo!”. E fez, já que não pensava muito em seus atos.

― Muito bom dia a Vossa Senhoria! ― exclamou o porco, olhando para a

câmera ― Estamos excepcionalmente convencidos de que o impossível acontece

todos os dias, e hoje é um dia muito especial. Como poderia haver um dia mais

especial que hoje? É hoje que conseguimos fazer uma descoberta incrível! Vamos

conversar com o Papai Noel! ― disse.

O porco, joguete como sempre, não fazia ideia de que o Papai Noel fora

encontrado morto. Na maior parte das vezes, os apresentadores sabiam muito

pouco sobre o que a mídia tinha de sabedoria, só falavam muito bem e decoravam

os textos e, claro, eram bons nas relações sociais.

O Noel estava com uma aparência horrorosa e os insetos estavam

comendo um olho dele. Quando ele virou o rosto, perguntou: “é uma entrevista?”

Certamente ele não tinha percebido o microfone que tinham posto quase dentro de

sua boca e as câmeras, pois estas não encostavam nele. Também poderia ter

perdido a visão, mas era improvável, já que estava escrevendo alguma coisa no

momento da abordagem e direcionava os olhos para o que escrevia.

― Olá! Quem percorre o campo vazio? ― idagou Papai Noel ― O campo

está vazio, não percebem?

O comedor de ração começou a conjecturar: “Estará ele a fazer uma piada?

Ou quer dizer que o trânsito estava vazio?”.

― Sim! O campo está vazio! ― bradou o toucinho ― Realmente! Não vi

nenhum carro! E estou feliz com isso, sim, e muito, é algo muito bom que está

acontecendo. Se tivéssemos trânsito congestionado, como acharíamos você? Foi

a melhor coisa que nos aconteceu hoje, sem dúvida! ― A voz dele passava

tranquilidade, quem a ouvisse daria todo o crédito a ele, disto não há dúvida.

― Do que você está falando? ― perguntou o homem velho.


― Era isso que você queria dizer com campo vazio! Foi por isso que falei!

― respondeu, confiante e persuasivamente.

― Oh, então é isso, acho que vou me suicidar ― disse Papai Noel,

enquanto se jogava na água. Esta causaria sua morte.

O porco apontou e gritou: “Vejam isto, tentativa de suicídio do glorioso e

excelentíssimo Pa...” Insetos começaram a picá-lo, impedindo que ele continuasse

a falar. Eles começaram a atacar os que ali estavam e as gravações nunca seriam

postas no ar, pois a natureza os mataria e, por conseguinte, o mundo jamais

saberia do ocorrido.

E, com isso, parecia que ninguém além do digníssimo e excelentíssimo e

adorável repórter sabia da morte do verdadeiro Papai Noel. Todavia, só parecia. A

verdade é que, antes que ele morresse afogado no lago uma fada tivera contato

com o idoso.

Acontecera em julho, no dia 7, seis anos antes de ele se suicidar. O nome

dela era Biterdeis. Esta fada o encontrou saindo duma casa e o interpelou:

― Olá! És tu Papai Noel? ― perguntou a fada.

O barbudo ergueu sua grossa sobrancelha esquerda, em tom interrogativo.

Quando percebeu a fonte do som, encantou-se: “Ela é linda! Seus cabelos louros e

seus olhos azuis, oh! Quanta beleza há nesse mundo!”, pensou.

― Sim. ― respondeu com um sorriso ― E você, linda e pequena moça,

quem é?

― É um enorme prazer lhe conhecer. Chamo-me Biterdeis. Sou uma fada

que por aqui passava e surpreendi-me em lhe encontrar, pois soube que tu

deixaste de dar presentes para as crianças. Ademais, tu moras no Polo Norte, no

entanto, agora se encontra num bosque da Inglaterra.

― É bem verdade. Não tenho como negar.

― Se eu pudesse saber o que lhe sucede ficaria grata.

― Conto-lhe, se você quer. Muito bem, vamos aos fatos: É algo que muitos

desconhecem, mas eu tenho um irmão gêmeo. Este queria me substituir: afirmava

ele: ‘somos iguais, me deixe ir este ano fazer o seu trabalho’. A verdade é que ele

queria ser reconhecido, mas as renas não gostavam dele e, quando estavam se

dirigindo para a Rússia os animais o mataram.

― Interessante. ― disse um duende que ali aparecera.

Noel se assustou e então perguntou:

― Quem é você?

― Um duende. Pode continuar a falar, só quero ouvir.

― Está bem, não tem problema em você ouvir. Como eu dizia, no meio do

nada, quando ele se dirigia à Rússia, as renas o mataram. As renas estavam com


ódio de mim também porque eu tinha permitido que ele me substituísse neste ano.

E foi triste, porque eu não sabia que elas o odiavam. ― fez uma pausa, refletindo

sobre a ingenuidade dele, a qual foi a causadora de tudo, pois ele sabia que o

irmão gêmeo maltratava as renas.

O duende estava ouvindo para depois conseguir reconhecimento,

divulgando para todo o mundo mágico o que soubera da boca de Papai Noel. A

fada, por outro lado, só queria entender o que se passava e, se possível, ajudar.

Ela tinha um bom coração.

― Por que ele se dirigia para a Rússia? ― indagou a fada.

― Para observar... Ele queria saber quais casas tinham chaminés e meias

para, com essas informações, presentear as crianças que tivessem as

características que permitissem a entrega.

Noel percebera, no momento em que falava, que o duende era muito feio.

Na verdade, pensou ele, deve ser bem desconfortável para uma criatura tão bela

ter que dividir o mundo com outra tão feia.

A fada, por outro lado, achava muito natural a desigualdade. Esta é que a

fazia bela. Mas ela não sabia. Isto era muito natural, pois ela tinha a tendência a

amar os outros pelo que são interiormente, deixando uma importância muito

pequena para a beleza exterior.

O bosque ao redor não pensava, mas era como se pensasse algo como

“ganância é a salvação”. Somente os animais e as plantas mais fortes sobreviviam,

apenas os organismos que se preocupavam única e exclusivamente consigo

mesmos. E Papai Noel ali, contrariando tudo isso com sua senil insistência em

ajudar aos outros e não só a si mesmo.

O duende, o ser mais ignoto da situação, dava seu sorriso, como se

imitasse Monalisa. O velho prosseguiu:

― Quem me fez querer vir morar neste bosque foi um amigo. Ele disse que

tinha uma casa aqui na qual eu não seria incomodado nem pelas renas nem por

seres humanos. Charles também me contou que viveu 7 anos nesta casa e que

jamais vira qualquer humano neste lugar e ele tinha razão. As renas não me

encontraram porque o lugar é inabitado, portanto é um ótimo esconderijo.

― Agora entendo. ― disse a fada. Ela sabia mais do que aparentava. O

que sucedia a ela é que estava desenvolvendo o poder de ler mentes. Este era um

dom raro: poucas fadas conseguiam utilizá-lo.

Depois que Noel lhes contou essas coisas, eles foram embora. A fada, no

entanto, percebeu que o duende planejava algo indigno. Mas, por não saber o que

era, não pode fazer nada e a desgraça do velho se deu depois de 7 anos da morte

de seu irmão.


O duende que ouvira o que Papai Noel contara se dirigiu ao pequeno

público de duendes e declarou:

― Eu obti informações valiosas, meus caros! E aqui tomo a palavra para

alertar-vos. ― disse o duende.

― O que é, Glinbo? ― perguntou um duende que estava ouvindo.

― Venho informá-los que um falso Papai Noel está dizendo por ai que

encontraram seu irmão gêmeo morto na neve. Que, na verdade, não foi o

verdadeiro Noel que morreu. Precisamos acabar com isso. Essa palhaçada deve

ter fim, não concordam?

― Que absurdo! ― gritou um terceiro duende, Teose.

― E não é? ― disse Glinbo ― e o pior, pretende controlar as renas, mas

estas sabem que não é ele. Nós, e talvez só nós, podemos mudar isso. Temos

muitos duendes com habilidades especiais aqui. Na verdade, eu tenho um plano,

só preciso que vocês colaborem comigo. Primeiro preciso provar que estou falando

a verdade, por isso peço que me deem o pó que permite aos animais falarem.

Certamente está com você, não é, Duara? ― disse, pronunciando errado o nome,

mas, como ela não se importava, ele também não acertava.

― Aqui está ― respondeu ela ― agora nos prove!

― Sim, eu vou, mas antes preciso que Teose concorde em usar o seu dom

para enlouquecer o velhinho, pois asseguro a vocês que ele é idêntico ao

verdadeiro Papai Noel, pois conseguiu criar ou aprendeu alguma magia que o

permitiu assim ser. E, certamente, convencerá as pessoas de que é o verdadeiro

Papai Noel, pois conseguiu em tudo ser idêntico a ele.

Mais tarde, por encantamento as renas foram atraídas ao bosque; e lá

estava Glinbo e os animais, enquanto os outros o observavam. O feio duende se

aproximou e abraçou uma delas, e no ouvido dela, disse algo, mas foi sutil a ponto

de não deixar ninguém notar que dissera algo. O que foi dito era algo que só ele e

as renas sabiam, mas algo que contribuiria para o sucesso dos objetivos maléficos

de Glinbo.

Com isso, os animais responderam afirmativamente a todas as questões

que foram feitas pelo duende e, no fim, ele foi considerado um ser de fidedigno por

seus semelhantes.

Com todas as vicissitudes que caíram por sobre Papai Noel, e, obviamente,

por causa da supracitada desgraça, acabou ensandecendo.