O conto “Ele” inicia-se já
falando dele, dessa outra pessoa que dá nome ao título do conto. Assim como em
outras obras do autor, inicia-se com muito adjetivos, como pode-se perceber no
seguinte excerto: “[...] a própria cidade tornou-se um firmamento cintilante de
sonho [...]”. Outro elemento importante é a frequente citação do que se relaciona
com o sonho e a imaginação.
Nesse início o narrador cita
coisas positivas acerca de Nova York, mas já deixando claro que teria uma
desilusão. Nessa desilusão fica evidente o racismo: “[...] multidões de pessoas
que fervilhavam por ruas que as escoavam como se fossem calhas eram estranhos
atarracados e de compleição escura, com rostos endurecidos e olhos estreitos
[...] que nunca poderiam significar algo para um homem de olhos azuis da raça
antiga, que trazia o amor das alamedas [...]”. Este trecho parece, além de racista,
nazista, pois nos remete à ideia da raça pura defendida por Hitler, o qual apresenta
essa defesa da raça “ariana”, de olhos azuis, como superior. Nota-se que
adjetivos negativos são relacionados às pessoas “de compleição escura”, como “estranhos”
e “olhos estreitos”, ou seja, anormais; enquanto não há adjetivos negativos
quando o homem de olhos azuis é citado.
Quem narra é um sujeito ligado à
poesia, aos sonhos e às visões. Quando ele encontra o homem, que dá nome ao
conto, é em um ambiente noturno, às duas da manhã de uma madrugada nublada.
Isto nos dá uma sensação de mistério e receio; inclusive, “ele” tem o rosto não
distinguível no início. Mesmo quando seu rosto fica visível ao narrador, ele
ainda tem algum atributo que incomoda: “[...] talvez ele fosse branco demais,
ou inexpressivo demais [...]”. Isso tudo, apesar do infeliz aparente racismo,
dá ao conto um caráter que empolga quem gosta de obras de terror.
“Ele” leva o narrador até uma biblioteca
a partir de um caminho guiado por ele. Na biblioteca, revela mais de suas
características e expõe um discurso que mostra conhecimentos do passado daquele
lugar. Então, cita certos rituais que teriam sido praticados por índios que no passado
ali habitaram. Nesse discurso, ele fala: “[...] o costume que o fidalgo
aprendeu daqueles selvagens vira-latas foi apenas uma pequena parte do
conhecimento que ele veio a ter [...]”. Neste excerto, temos um discurso novamente
preconceituoso, agora sendo dito não pelo narrador, mas por esse personagem; e
também cita esse conhecimento oculto e do passado.
Em seguida, acontece algo que
mexe com o psicológico do narrador: com um gesto da mão, o homem faz surgir um
relâmpago e visões de outro tempo para que os dois vejam. Na terceira vez que
esse relâmpago surge, o narrador se assusta e começa a gritar. A partir desses
gritos, um terceiro ser aparece no conto: “uma substância negra como uma tinta
e repleta de olhos, brilhantes e malignos”. Este destrói o homem. O narrador,
então, foge da biblioteca. No final, este volta para Nova Inglaterra, região
que é cercada por citações positivas, como “alamedas límpidas” e “brisas
deliciosas do mar”; em oposição à Nova York que é palco de tudo que fora narrado.
Fonte: LOVECRAFT, H. P. Obras Escolhidas. Tradução:
Jorge Ritter. Porto Alegre: L&PM Editores, 2007.
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