sábado, 7 de janeiro de 2023

Resenha crítica do conto Ele de Lovecraft: Racismo, mistério e terror

 

O conto “Ele” inicia-se já falando dele, dessa outra pessoa que dá nome ao título do conto. Assim como em outras obras do autor, inicia-se com muito adjetivos, como pode-se perceber no seguinte excerto: “[...] a própria cidade tornou-se um firmamento cintilante de sonho [...]”. Outro elemento importante é a frequente citação do que se relaciona com o sonho e a imaginação.

Nesse início o narrador cita coisas positivas acerca de Nova York, mas já deixando claro que teria uma desilusão. Nessa desilusão fica evidente o racismo: “[...] multidões de pessoas que fervilhavam por ruas que as escoavam como se fossem calhas eram estranhos atarracados e de compleição escura, com rostos endurecidos e olhos estreitos [...] que nunca poderiam significar algo para um homem de olhos azuis da raça antiga, que trazia o amor das alamedas [...]”. Este trecho parece, além de racista, nazista, pois nos remete à ideia da raça pura defendida por Hitler, o qual apresenta essa defesa da raça “ariana”, de olhos azuis, como superior. Nota-se que adjetivos negativos são relacionados às pessoas “de compleição escura”, como “estranhos” e “olhos estreitos”, ou seja, anormais; enquanto não há adjetivos negativos quando o homem de olhos azuis é citado.

Quem narra é um sujeito ligado à poesia, aos sonhos e às visões. Quando ele encontra o homem, que dá nome ao conto, é em um ambiente noturno, às duas da manhã de uma madrugada nublada. Isto nos dá uma sensação de mistério e receio; inclusive, “ele” tem o rosto não distinguível no início. Mesmo quando seu rosto fica visível ao narrador, ele ainda tem algum atributo que incomoda: “[...] talvez ele fosse branco demais, ou inexpressivo demais [...]”. Isso tudo, apesar do infeliz aparente racismo, dá ao conto um caráter que empolga quem gosta de obras de terror.

“Ele” leva o narrador até uma biblioteca a partir de um caminho guiado por ele. Na biblioteca, revela mais de suas características e expõe um discurso que mostra conhecimentos do passado daquele lugar. Então, cita certos rituais que teriam sido praticados por índios que no passado ali habitaram. Nesse discurso, ele fala: “[...] o costume que o fidalgo aprendeu daqueles selvagens vira-latas foi apenas uma pequena parte do conhecimento que ele veio a ter [...]”. Neste excerto, temos um discurso novamente preconceituoso, agora sendo dito não pelo narrador, mas por esse personagem; e também cita esse conhecimento oculto e do passado.

Em seguida, acontece algo que mexe com o psicológico do narrador: com um gesto da mão, o homem faz surgir um relâmpago e visões de outro tempo para que os dois vejam. Na terceira vez que esse relâmpago surge, o narrador se assusta e começa a gritar. A partir desses gritos, um terceiro ser aparece no conto: “uma substância negra como uma tinta e repleta de olhos, brilhantes e malignos”. Este destrói o homem. O narrador, então, foge da biblioteca. No final, este volta para Nova Inglaterra, região que é cercada por citações positivas, como “alamedas límpidas” e “brisas deliciosas do mar”; em oposição à Nova York que é palco de tudo que fora narrado.

 

 

Fonte: LOVECRAFT, H. P. Obras Escolhidas. Tradução: Jorge Ritter. Porto Alegre: L&PM Editores, 2007.

Nenhum comentário:

Postar um comentário