quinta-feira, 27 de novembro de 2025

O Eterno Retorno: o que é e como essa ideia atravessou a história até hoje

 O eterno retorno é uma das ideias mais antigas da humanidade. Ela diz, de forma simples, que tudo no universo se repete: acontecimentos, eras, seres vivos, mundos inteiros. O tempo não seria uma linha que vai do passado ao futuro, mas um ciclo, como uma roda que gira sem fim.

Abaixo, segue uma linha histórica mostrando como diferentes povos e filósofos imaginaram esse retorno.


1. Povos antigos: o mundo como ciclo

Antes da filosofia escrita, muitos povos já pensavam o tempo como repetição. Isso vinha da observação da própria natureza: dia e noite, estações, colheitas, mortes e renascimentos. Assim, imaginar que “tudo volta” era natural.

1.1. Povos da Índia Antiga (hinduísmo, budismo, jainismo)

Talvez a tradição mais antiga com a ideia de repetição infinita.

  • Para o hinduísmo, o universo passa por ciclos gigantescos chamados yugas e kalpas.

  • O tempo não tem começo nem fim.

  • O cosmos nasce, se desfaz e volta a nascer para sempre.

  • As almas também reencarnam, repetindo vidas sucessivas.

Essa ideia influenciou profundamente várias filosofias orientais.


2. Antigos gregos: o eterno retorno vira filosofia

Os gregos foram os primeiros a escrever sistematicamente sobre ciclos do universo.

2.1. Heráclito (c. 500 a.C.)

Ele dizia que o mundo está em eterno fluxo — e alguns intérpretes acreditam que isso implica ciclos repetidos.

2.2. Os pitagóricos

Acreditavam que as almas voltam muitas vezes, e que grandes eventos podem se repetir.

2.3. Os estóicos (300 a.C.)

Aqui surge a versão mais “científica” do eterno retorno antigo.

Os estóicos acreditavam que:

  • o universo passa por ciclos,

  • tudo termina em um grande incêndio cósmico (ekpýrosis),

  • depois o cosmos renasce exatamente igual,

  • e tudo acontece de novo da mesma maneira.

É uma das versões mais próximas do que Nietzsche diria séculos depois.


3. Idade Média: a ideia quase desaparece

Com o avanço do Cristianismo na Europa, o tempo deixou de ser visto como circular.

Para o cristão medieval:

  • o universo tem um início (Gênesis),

  • uma trajetória única,

  • e um fim final (Juízo Final).

Essa visão linear do tempo substituiu os antigos ciclos.
O eterno retorno praticamente sumiu da filosofia europeia nessa época.


4. Renascimento e modernidade: a ideia reaparece suavemente

Entre os séculos XV e XVIII, alguns pensadores voltaram a brincar com a ideia de ciclos:

  • Giordano Bruno considerava infinitos mundos repetidos.

  • Alguns cientistas viam o universo como uma máquina eterna.

  • Filósofos iluministas imaginavam repetição em escalas naturais.

Mas nada muito sistemático — eram ideias fragmentadas.


5. O século XIX: Nietzsche e o retorno existencial

Em 1882, Nietzsche reformula completamente o eterno retorno.
Ele faz de uma ideia cosmológica um teste psicológico:

“E se um demônio te dissesse: esta vida que você vive se repetirá infinitas vezes, exatamente igual…”

Para Nietzsche, não importa se o eterno retorno é cientificamente verdadeiro.
O importante é como você reagiria a essa ideia.

  • Se isso te desespera, você não afirma a vida.

  • Se isso te fortalece, você vive de forma plena.

É o eterno retorno como critério ético, não como cosmologia.


6. Século XX e XXI: a ciência entra na discussão

Com o avanço da física, cosmólogos começaram a imaginar universos em ciclos.

Algumas teorias modernas incluem:

6.1. Universos oscilantes

Propostos desde os anos 1930 — o universo expande, depois contrai, e recomeça.

6.2. Teoria de Steinhardt e Turok (universo cíclico)

Um cosmos que nasce e renasce em colisões entre “branas”.

6.3. Roger Penrose — Cosmologia Cíclica Conforme (CCC)

Talvez a versão mais elegante atual:

  • Cada “eon” é um universo completo.

  • Após se esvaziar totalmente, o eon gera outro Big Bang.

  • O processo se repete para sempre.

Embora Penrose não diga que os universos são idênticos, a matemática sugere que num número infinito de ciclos, repetição é inevitável.

Assim, o conceito retorna, agora em roupagem científica.


7. Hoje: o eterno retorno ainda faz sentido?

Atualmente, a ideia aparece em três formas:

7.1. Como filosofia existencial (Nietzsche)

Muito discutida em cursos, livros e debates.

7.2. Como hipótese cosmológica (Penrose e outros)

Dialoga com física, entropia, expansão e limites da relatividade.

7.3. Como metáfora cultural

Usada em:

  • filmes (“Matrix”, “Interestelar”, “A Chegada”),

  • séries (“Dark”),

  • literatura e games.

Hoje, poucas pessoas realmente acreditam no eterno retorno como fato.
Mas a ideia continua forte como símbolo, como pergunta filosófica, e até como possibilidade científica.


Resumo final

A ideia do eterno retorno:

  • nasceu na observação cíclica da natureza,

  • foi desenvolvida por hindus e gregos,

  • apagada na Idade Média cristã,

  • recuperada por Nietzsche,

  • e reaparece na física moderna como hipótese de ciclos cósmicos.

É um exemplo perfeito de como uma ideia pode atravessar milênios, renascer em novas formas e continuar inspirando discussões — tanto existenciais quanto científicas.

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