O eterno retorno é uma das ideias mais antigas da humanidade. Ela diz, de forma simples, que tudo no universo se repete: acontecimentos, eras, seres vivos, mundos inteiros. O tempo não seria uma linha que vai do passado ao futuro, mas um ciclo, como uma roda que gira sem fim.
Abaixo, segue uma linha histórica mostrando como diferentes povos e filósofos imaginaram esse retorno.
1. Povos antigos: o mundo como ciclo
Antes da filosofia escrita, muitos povos já pensavam o tempo como repetição. Isso vinha da observação da própria natureza: dia e noite, estações, colheitas, mortes e renascimentos. Assim, imaginar que “tudo volta” era natural.
1.1. Povos da Índia Antiga (hinduísmo, budismo, jainismo)
Talvez a tradição mais antiga com a ideia de repetição infinita.
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Para o hinduísmo, o universo passa por ciclos gigantescos chamados yugas e kalpas.
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O tempo não tem começo nem fim.
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O cosmos nasce, se desfaz e volta a nascer para sempre.
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As almas também reencarnam, repetindo vidas sucessivas.
Essa ideia influenciou profundamente várias filosofias orientais.
2. Antigos gregos: o eterno retorno vira filosofia
Os gregos foram os primeiros a escrever sistematicamente sobre ciclos do universo.
2.1. Heráclito (c. 500 a.C.)
Ele dizia que o mundo está em eterno fluxo — e alguns intérpretes acreditam que isso implica ciclos repetidos.
2.2. Os pitagóricos
Acreditavam que as almas voltam muitas vezes, e que grandes eventos podem se repetir.
2.3. Os estóicos (300 a.C.)
Aqui surge a versão mais “científica” do eterno retorno antigo.
Os estóicos acreditavam que:
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o universo passa por ciclos,
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tudo termina em um grande incêndio cósmico (ekpýrosis),
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depois o cosmos renasce exatamente igual,
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e tudo acontece de novo da mesma maneira.
É uma das versões mais próximas do que Nietzsche diria séculos depois.
3. Idade Média: a ideia quase desaparece
Com o avanço do Cristianismo na Europa, o tempo deixou de ser visto como circular.
Para o cristão medieval:
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o universo tem um início (Gênesis),
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uma trajetória única,
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e um fim final (Juízo Final).
Essa visão linear do tempo substituiu os antigos ciclos.
O eterno retorno praticamente sumiu da filosofia europeia nessa época.
4. Renascimento e modernidade: a ideia reaparece suavemente
Entre os séculos XV e XVIII, alguns pensadores voltaram a brincar com a ideia de ciclos:
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Giordano Bruno considerava infinitos mundos repetidos.
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Alguns cientistas viam o universo como uma máquina eterna.
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Filósofos iluministas imaginavam repetição em escalas naturais.
Mas nada muito sistemático — eram ideias fragmentadas.
5. O século XIX: Nietzsche e o retorno existencial
Em 1882, Nietzsche reformula completamente o eterno retorno.
Ele faz de uma ideia cosmológica um teste psicológico:
“E se um demônio te dissesse: esta vida que você vive se repetirá infinitas vezes, exatamente igual…”
Para Nietzsche, não importa se o eterno retorno é cientificamente verdadeiro.
O importante é como você reagiria a essa ideia.
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Se isso te desespera, você não afirma a vida.
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Se isso te fortalece, você vive de forma plena.
É o eterno retorno como critério ético, não como cosmologia.
6. Século XX e XXI: a ciência entra na discussão
Com o avanço da física, cosmólogos começaram a imaginar universos em ciclos.
Algumas teorias modernas incluem:
6.1. Universos oscilantes
Propostos desde os anos 1930 — o universo expande, depois contrai, e recomeça.
6.2. Teoria de Steinhardt e Turok (universo cíclico)
Um cosmos que nasce e renasce em colisões entre “branas”.
6.3. Roger Penrose — Cosmologia Cíclica Conforme (CCC)
Talvez a versão mais elegante atual:
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Cada “eon” é um universo completo.
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Após se esvaziar totalmente, o eon gera outro Big Bang.
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O processo se repete para sempre.
Embora Penrose não diga que os universos são idênticos, a matemática sugere que num número infinito de ciclos, repetição é inevitável.
Assim, o conceito retorna, agora em roupagem científica.
7. Hoje: o eterno retorno ainda faz sentido?
Atualmente, a ideia aparece em três formas:
7.1. Como filosofia existencial (Nietzsche)
Muito discutida em cursos, livros e debates.
7.2. Como hipótese cosmológica (Penrose e outros)
Dialoga com física, entropia, expansão e limites da relatividade.
7.3. Como metáfora cultural
Usada em:
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filmes (“Matrix”, “Interestelar”, “A Chegada”),
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séries (“Dark”),
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literatura e games.
Hoje, poucas pessoas realmente acreditam no eterno retorno como fato.
Mas a ideia continua forte como símbolo, como pergunta filosófica, e até como possibilidade científica.
Resumo final
A ideia do eterno retorno:
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nasceu na observação cíclica da natureza,
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foi desenvolvida por hindus e gregos,
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apagada na Idade Média cristã,
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recuperada por Nietzsche,
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e reaparece na física moderna como hipótese de ciclos cósmicos.
É um exemplo perfeito de como uma ideia pode atravessar milênios, renascer em novas formas e continuar inspirando discussões — tanto existenciais quanto científicas.
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