domingo, 15 de junho de 2025

Adalberto e o Peido Imortalizado

 Na empresa G.R. Soluções Logísticas, todos sabiam que zombar de Adalberto era o mesmo que cutucar a parede com garfo esperando resposta. Mas o estagiário Jefferson, recém-chegado, não sabia disso.

Durante uma pausa para o café, entre risadas e bolachas de aveia, soltou:
— Adalberto? Esse aí só fala sozinho. Aposto que se olhar pro espelho, perde na discussão.

A piadinha ecoou. Gargalhadas. Uma ou outra cuspida de café.
Adalberto, sentado no canto, fingiu não ouvir. Mas seus olhos brilharam daquele jeito que só brilham quando uma travessura já está sendo arquitetada.

Naquela tarde, a empresa silenciou de repente.

O tempo parou. Literalmente.
Corações congelados, relógios imóveis, moscas paradas no ar. Só Adalberto caminhava entre os cubículos como um maestro do caos.

Com um spray vermelho fosforescente em mãos e uma sacola plástica misteriosa na outra, entrou na sala de Jefferson. Observou com carinho a parede branca atrás da cadeira giratória. E começou, com letras bem redondas, a grafitar:

"EU QUE PEIDEI"

No último "i", caprichou: a bolinha foi desenhada em formato de feijão.
Depois, com precisão cirúrgica, limpou as digitais do spray, encaixou-o na mão paralisada de Jefferson e posicionou seu braço como quem termina de assinar uma obra-prima.

Mas faltava o toque especial.

Adalberto abriu a sacola. De lá, saíram três hamsters, uma galinha e, inexplicavelmente, uma cabra anã com expressão culpada.
Soltou os bichos sobre os papéis importantes de Jefferson, deixando rastros — e odores — inconfundíveis.

E então... o tempo voltou.

Bem nesse instante, Neide, a supervisora severa, estava subindo a escada.
Abriu a porta e viu Jefferson, de olhos arregalados, com uma lata de spray na mão, uma parede escrita "EU QUE PEIDEI", e atrás dele, um hamster saltando alegremente sobre um teclado coberto de cocô.

Silêncio mortal.

— JEFFERSON?! — berrou Neide.
— Eu... eu... isso não é... foi... não fui eu!

— E os animais? O que essa cabra tá fazendo aqui?

A cabra respondeu com um berro que pareceu dizer "injustiça!" e mastigou o rodapé da mesa.

Logo a sala estava cheia. Cláudia tirava fotos. Guto gravava vídeos. A notícia correu pelos corredores:

"Jefferson fez arte na parede e cagada na sala."

Jefferson tentou argumentar:
— Mas eu tava no café!
— Tava com o spray na mão, filho! — disse Neide, agora chamando o RH.

No grupo da empresa, a foto do muro viralizou. Abaixo da escrita, alguém editou:

"Coragem é assumir. Jefferson: o herói flatulento que o Brasil não pediu."

Enquanto isso, Adalberto, invisível atrás da impressora, comia uma maçã e pensava:
— Uma travessura por dia mantém a chatice afastada.

E assim, Jefferson virou lenda.
Não pelo trabalho. Não pelos relatórios.
Mas por um peido que nunca foi dele...
E que, na parede, segue eterno.

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