quarta-feira, 22 de outubro de 2025

O Hospital das Docas

 Brennar atravessou as ruelas úmidas de Lhanor, segurando Lorena como podia. O vinho escorria do vestido dela, pingando no chão como um fio de sangue. Cada passo era um esforço, e o frio da madrugada parecia zombar de sua paciência.

O hospital — uma construção tosca de pedra e madeira, mantida por monges — exalava cheiro de ervas queimadas e vinagre. As lamparinas balançavam sob o vento, projetando sombras que se moviam como vultos vivos.

Ao entrar, Brennar foi recebido por uma mulher de coifa e avental escuro.
— Traga-a para cá — ordenou ela, apontando uma cama próxima à parede. — A Siri Gaita outra vez?

Brennar assentiu, cansado. Lorena gemeu, tentando dizer algo, mas as palavras se perderam em murmúrios embriagados.

Enquanto a curandeira cuidava dela, Brennar percebeu um homem deitado no canto da sala, o corpo coberto por um cobertor de lã grosseira. Uma das pernas estava enfaixada até o joelho, e a pele das mãos trazia marcas recentes de queimadura.

O homem o observava com olhos arregalados — olhos que pareciam não piscar.

— Você trouxe o presságio — disse ele, com voz rouca. — Eu o vi quando o céu ficou claro como sangue.

Brennar franziu o cenho.
— Está delirando, homem.

— Delirando? — o estranho sorriu, mostrando dentes manchados. — Eu vi o fogo, lá nas docas, há três noites. As chamas dançavam como serpentes, e do céu desciam olhos. Olhos imensos, sem pálpebras. Eles viam tudo.

A curandeira se virou, impaciente:
— Não lhe dê ouvidos. Esse é Tassio, um pescador que perdeu o juízo quando os armazéns queimaram. Desde então, só fala em monstros e presságios.

Mas Tassio não parou. Seus olhos fixaram-se em Lorena.
— Ela traz o som. O som que acorda o que dorme. O som que atrai o olhar.

Brennar deu um passo para trás.
— Que som?

Tassio apontou para ela, a voz subindo num tom quase febril:
— A gaita. O sopro dela é um chamado. Quando o céu se abrir de novo, o som vai guiá-los até nós.

Um silêncio denso caiu sobre o salão. Do lado de fora, o vento soprou, fazendo as chamas das lamparinas vacilarem. Lorena, ainda desacordada, soltou um assobio fraco — curto, mas claro, como o som distante de um instrumento.

Tassio arregalou os olhos.
— Começou outra vez… — murmurou, tremendo. — Eles já escutaram.

Brennar sentiu o coração apertar no peito. E por um instante — apenas um — o ar pareceu vibrar, como se o próprio hospital respirasse junto com aquele som.


Agora escolha:

  1. Ouvir Tassio — Intrigado pelas palavras do pescador, Brennar decide se aproximar. Quer entender o que ele viu nas docas e o que sabe sobre o “som que acorda o que dorme”. Há algo no olhar de Tassio que parece loucura… mas também verdade.

  2. Cuidar de Lorena — Brennar ignora o delírio do homem e volta a atenção para Lorena. Pede às curandeiras que façam tudo o que for possível. Ele sabe que, se ela não reagir logo, talvez não desperte mais — e não há tempo para superstições.

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